Sabrina Santos – Psicanalista
O carnaval passou, recolhemos nossos abadás, guardamos a purpurina, colocamos as fantasias no baú, despimos os adornos que nos faz reluzir a alegria que transborda. Por alguns dias brincamos, pulamos, cantamos, e por alguns momentos acreditamos na alegria, na fantasia, na vida colorida, acima dos problemas ou da condição, e em meio ao coletivo, celebramos as fragilidades.
Parando para observar o fenômeno do carnaval no país, sou tomada pelo desejo em contrariar o todo e conversar com vocês um pouquinho sobre a angústia. Eu, enquanto Psicanalista, acredito na potência que a angústia tem, e acredito ainda mais no quanto ela pode construir. Por isto, convido você, a mergulhar um pouquinho neste avesso, neste espaço cheio de vazios, e juntos colocar nossas angústias para cantar, falar, dançar, chorar, e ocupar um outro lugar em nossa vida.
Onde há angústia, há espaço para a criação de um novo modo de ser. E se algo precisa mudar em nosso modo de ser, é ela quem vai nos visitar. Você deve estar se perguntando, o porquê de dizer da angústia após assistir um país celebrando uma alegria coletiva a partir do subjetivo e do singular de cada um?
Basta olhar para tantas coisas que estamos enfrentando, tantos desafios que a cada dia somos convidados a vencer, ou o quanto as coisas triviais para a existência humana estão cada vez mais precárias, e o quanto em uma data como esta, vira temas de fantasias, enredos, fugas, e desejos, arrancando sorrisos, mesmo que a partir do trágico. Esta é a potência da angústia, somado ao espaço criativo em dar voz àquilo que não está sendo ouvido. Já nos dizia Freud, o que a boca cala, falam-se as pontas dos dedos e corpo inteiro. Assim é na clínica quando chega um paciente triste,
angustiado, basta um lugar de fala e escuta, para a compreensão do quanto pode ser feito em nome
de tal angústia.
Assim também, é nossa história, narrada sempre pela superação e força diante dos deslizes da vida. Se você voltar ao pior dia de sua vida, verá que por vezes custou a sua permissão de viver a sua própria disponibilidade em sentir e fazer algo para transpor as dores do ser. Tudo o que você já superou, foi banhado e bordado de muita angústia.
É interessante pensar que só conhecemos um sentimento quando já experimentamos o contrário dele. Sabemos o que é o amor, porque sabemos junto o quanto dói a indiferença. Se buscamos motivos para ser feliz, já marcamos um desencontro com a felicidade.
Desejamos tanto a “felicidade” que nos esquecemos que ela só é medida porque sentimos tristeza, e por senti-la, sabemos o que é contrário a ela. Ser feliz é muito fácil, não exige de nós. Basta vestir nossas fantasias, colocar nossas máscaras e cantar o enredo da vida. É minha gente, estar alegre não nos exige nada! Não pede habilidades, preparos e elaborações. É apenas ir de encontro a este sentimento tão sublime, merecido e por vezes esperado. O mesmo, não
acontece quando dizemos da angústia, esta, sim, é um motor, um termômetro. No entanto, como uma
tentativa de censurar um afeto “indesejável” dificilmente encaramos ela como algo que pode ser acolhido com zelo e cuidado.
A angústia é um sinal frente a uma eminência de perda, ela caminha lado a lado com o desejo que, por sua vez, se encontra encapsulado por sintomas. A angústia assume contornos peculiares que darão formas às mudanças que estão por vir. Onde ela aparece, traz consigo uma mensagem muito importante, é como se ela dissesse que algo
não está bom, e te oferecesse junto um convite a mudar. No entanto, é quando precisamos experimentar a dor de buscar por respostas, elaborações, mudanças, e estas nem sempre são tão fáceis de serem encontradas e/ou bancadas. Isto porque, nenhuma mudança é confortável. A Psicanálise traz a premissa de que a angústia é um afeto que não mente. E pensar na angústia enquanto aquilo que afeta e carrega consigo o que cada um tem de mais verdadeiro, nos faz entender o quanto ela se faz importante em nosso processo emocional, por se tratar de uma
resposta nossa diante do vazio e da falta de significado que permeiam a existência humana.
Por isto nada mais legítimo que, após o carnaval, encontremos nossas angústias de cada dia, voltemos para a vida real e encaremos nossas realidades como tal. Até porque, depois das celebrações, fica o fim de festa, fica a bagunça, os convidados vão, e você fica. E após experimentar dias de êxtase, a rotina, os problemas do dia a dia, somado ao cansaço da folia, criam um espaço maior, vivemos a neurose de nossas fantasias, porém, sem bloquinho para
fazer dela nossa marchinha, sem brilhos e purpurinas, mas com desejo de que ainda assim, há vida.
Que você possa viver suas angústias como uma travessia, e quem sabe dela, você consiga criar o enredo de sua vida. Este, sim, com a alegria legítima, de quem acolheu suas neuroses e atravessou suas fantasias pela avenida da vida.
Ainda que tudo chegue doendo em você, quando olhar para trás, não deixe de ver uma vontade infinita que a vida tem de prevalecer, de seguir adiante.
Hoje, o que lhe angustia? Como você tem encarado suas dores? Você insiste, ou desiste delas?
Saiba que não olhar para o sofrimento, não é uma forma de não fazê-lo existir, muito pelo contrário, é como colocar uma corrente no pé que te liga do outro lado aos fatos que te marcou e que te machucou.
Seja gentil com suas dores, seja honesto com seus afetos. Se a vida for como um carnaval, onde fingimos alegria, o ser feliz, se desfaz em cinzas.
Acolha sua angústia, porque ela também quer passar, mas para isto, você precisa dar espaço…
Seja qual for sua angústia, se abra para ela, porque ela não deseja ficar! Acredite, ela quer passar… e
ela passa!
Com carinho.
Sabrina Santos
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