Por Tainá de Paula*
O processo de ‘favelização’ no Brasil se iniciou com a abolição, quando os escravizados foram ‘libertos’ e não tinham para onde ir ou onde ficar. Sendo assim, foram empurrados para a margem da sociedade e das grandes cidades. No Rio de Janeiro, por exemplo, o Morro da Providência, uma das primeiras favelas do Brasil, é um exemplo desse
adensamento da população negra no final do século XIX.
Dando um salto no tempo, vamos para a década de 1980. A partir daí, temos o boom do chamado êxodo rural, quando a população brasileira passou a ser 84,4% urbana, segundo estimativa do IBGE, e, com um crescimento desordenado, os poderes públicos não investiram em infraestrutura física, saneamento básico, moradias e transporte público. Assim como as infraestruturas sociais, emprego e renda também não acompanharam esse crescimento desordenado das áreas periféricas.
Desta forma, a ‘urbanização periférica’ ocorrida no Brasil no intervalo de 50 anos contribuiu para as chamadas “Cidades Partidas”. A cidade do Rio de Janeiro é um caso à parte quando se trata de urbanismo, encontro de classes e natureza. Raramente um bairro do Rio, mesmo que de classe média alta, não terá uma favela próxima, é uma
característica da própria urbanização da cidade e do processo de ‘empurramento’ das pessoas mais pobres, principalmente os negros, para as periferias. Com o tempo, foram tirando os negros dos centros e levando
para os morros. Um ano após a chacina ocorrida na comunidade de Vigário Geral, Zona Norte do Rio de Janeiro, que vitimou 21 pessoas, o jornalista Zuenir Ventura lançou o livro “Cidade Partida”, onde ele fala das diferenças entre
“as duas cidades” dentro do Rio de Janeiro: o morro e o asfalto.
O termo “morro” considera as favelas, as comunidades que nem sempre são verticais, podem ser planos, mas que moram, em sua grande maioria, pessoas negras e periféricas. Por outro lado, o asfalto é o local onde
moram as pessoas da classe média alta. Esse adensamento populacional gera um déficit habitacional no
Brasil de 5,876 milhões de moradias, um aumento de 0,11% em relação a 2018 e os estados do Norte e Nordeste são os mais afetados com a situação. Coincidência ou não, também são as regiões com menor número
de famílias em situação de vulnerabilidade social e insegurança alimentar, segundo a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (Rede PENSSAN), O déficit habitacional no Brasil beira números absurdos e essa ‘falta de preocupação’ social sempre foi muito explícita. Sabemos que quem mais sofre com essa deficiência governamental é o preto, pobre e periférico. O saneamento básico não chega a todos os moradores de favelas justamente por não haver essa preocupação com quem está nas encostas, em áreas de risco. As pessoas que residem nesses locais não estão lá por opção, mas por falta dela mesmo.
Nós sabemos a origem das favelas e como elas foram criadas. A tentativa de eugenia social para que o Rio de Janeiro se tornasse uma Paris só agravou a situação dos ex-escravizados, que ficaram relegados à própria sorte. Mas o Brasil não é a França e o resultado foi catastrófico para os nossos.
*Tainá de Paula é vereadora licenciada e Secretária de Ambiente e Clima da Cidade do Rio de Janeiro. Ela também é arquiteta, urbanista e ativista das lutas urbanas e foi
convidada por este cronista.
Deixar um comentário