Temos visto, ultimamente, uma crescente onda nas redes sociais, principalmente naquelas em que a presença de jovens é mais acentuada, de tratar a contratação por meio da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) como ofensa, algo menor e a ser evitado. Mas qual será o motivo desse movimento?
A CLT foi sancionada no Brasil por Getúlio Vargas em 1º de maio de 1943, compilando grande parte da legislação especializada da época. Desde então, passou por ajustes ao longo do tempo para acompanhar melhor as evoluções sociais e econômicas do país: não é perfeita, mas representa a evolução do trabalho brasileiro, e trouxe benefícios e respaldos legais, até então inexistentes, para os trabalhadores.
O motivo mais aparente apontado pelos especialistas em recursos humanos para essa aversão à CLT é a mudança de valores das novas gerações em relação ao trabalho. Os mais jovens priorizam vida pessoal, flexibilidade e autonomia, características que nem sempre estão presentes nos modelos tradicionais de emprego. Some-se a isso o fato de que os primeiros empregos da vida do jovem geralmente oferecem salários baixos, estruturas rígidas e pouca (senão nenhuma) participação em decisões, o que é exatamente o contrário do que essa geração busca. O regime celetista, via de regra, impõe jornada fixa e menor autonomia sobre tempo e local de trabalho. Além disso, o emprego comum presume a existência de uma hierarquia, normalmente rígida e frequentemente desatenta aos anseios dos mais jovens. Para estes, que cresceram conectados, valorizando mobilidade e projetos múltiplos, o impacto é direto, tendem a preferir modelos que permitam mais controle sobre sua rotina. E isso, infelizmente, significa abrir mão de segurança jurídica, benefícios e proteções que não surgiram por acaso. Outro fator que pode contribuir para essa visão distorcida sobre direitos e deveres trabalhistas é a falsa ideia de que a economia de “bicos” e a ascensão de plataformas digitais (como Uber e iFood) fazem do trabalhador o senhor de si ou um empreendedor.
O entendimento de que um trabalhador plataformizado é “livre” e “autônomo” é raso, e demonstra desconhecimento dos meandros desse tipo de trabalho. São poucos os que conseguem trabalhar dessa forma e garantir uma boa renda com tranquilidade: a maioria passa muitas horas trabalhando, com parcos rendimentos e se expondo aos riscos da atividade empresária, ficando sem a proteção do Direito do Trabalho e sem a cobertura da Previdência Social. Na prática, boa parte dos jovens que rejeitam a CLT não têm plena consciência dos direitos e garantias que estão deixando de lado. Há um certo desconhecimento, ou até negligência, sobre os efeitos a longo prazo da ausência de proteção social. Direitos como aposentadoria, auxílio-doença, salário-maternidade, FGTS e estabilidade em determinadas situações (como gestação ou acidente de trabalho) muitas vezes só são valorizados quando fazem falta. Quando essa conscientização vier, pode ser tarde demais – gerando um problema não somente ao próprio indivíduo, mas à sociedade como um todo.
O discurso anti-CLT não leva em consideração os riscos legais e previdenciários que esses trabalhadores enfrentam ao optar por vínculos alternativos. Há também a insegurança jurídica quanto à continuidade da renda: microempreendedores individuais ou trabalhadores plataformizados, por exemplo, não têm garantia de remuneração mínima, não se aposentam por tempo de contribuição automaticamente e ficam desamparados em momentos de vulnerabilidade. Além disso, assumem o risco da atividade ao arcar com os custos do equipamento usado no trabalho (como o carro ou a moto), que, na CLT, caberiam ao empregador.
Por outro lado, o movimento de empresas preferirem contratar trabalhadores fora da CLT para reduzir custos sempre existiu. A contratação de trabalhadores como PJs não é assunto novo, e é há anos combatida – não somente pela Justiça do Trabalho brasileira, mas por muitos organismos internacionais que, inclusive, reconhecem nossa justiça especializada como um dos órgãos mais eficazes do mundo na aplicação de direitos e garantias fundamentais, previstas não só na legislação brasileira, mas em tantas normas de aplicação global. As vagas, sim, podem melhorar. Alterações sobre os encargos pagos pelas empresas certamente ajudariam a valorizar salários. Adotar novas tecnologias também seria algo útil nessa missão, o que depende da iniciativa e da disponibilidade do próprio empregador. Porém, mais do que isso, seria necessário evoluir no tipo de oferta de trabalho, porque é necessário atingir uma geração que não aceita o modelo de vínculo empregatício que foi adotado nas últimas décadas.
É preciso dizer aos mais jovens que a decisão sobre ser ou não contratado por meio da CLT deve considerar não apenas o ganho imediato, mas também a sustentabilidade da carreira no longo prazo. O regime CLT oferece uma rede de proteção importante, que muitas vezes só é percebida em momentos críticos. Já a vida de freelancer exige disciplina, planejamento financeiro e previdenciário, além de uma boa rede de contatos.
Faça uma autoavaliação do seu perfil, dos seus objetivos e de sua tolerância ao risco, e, se optar por uma fórmula mais moderna do que o vínculo tradicional, por favor, busque estruturar minimamente sua segurança social por conta própria. Arthur Felipe Martins é advogado, especialista em direito e processo do trabalho e direito acidentário, mestrando em direito do trabalho pela PUC-SP e professor em cursos jurídicos voltados ao direito do trabalho e correlações com o direito previdenciário.
Por Arthur Felipe Martins
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