Liliane Oliveira Noacco, que hoje é Procuradora-Geral da Câmara Municipal de Esmeraldas, concedeu ao Jornal Digital Esmeraldas uma entrevista exclusiva.

Advogada, formada na Faculdade de Direito de Sete Lagoas, especialista em Direito Eleitoral pela Uni- BH, especialista em Direito Constitucional e Direito Administrativo pela Faculdade Batista de Minas Gerais, especializanda em Direito Ambiental e Urbanístico pela Universidade de São Paulo -USP.
Foi consultora das nações unidas – ONU pelo Programa das Nações Unidas de Desenvolvimento – Pnud, Procuradora-Geral dos Municípios de Santa Luzia e Esmeraldas, Procuradora-Geral da Câmara de Esmeraldas, Consultora jurídica e sub-procuradora geral da Câmara Municipal de Sete Lagoas. Possui publicação de obra coletiva sob a coordenação da Desembargadora Rosimeire de Oliveira Pires sobre a Reforma Trabalhista em 2018 com o artigo “a desconsideração da personalidade jurídica na justiça do trabalho.”

Dra. Liliane nos relatou também que sua maior inspiração é seu pai, Luiz Carlos Rodrigues de Oliveira, falecido em fevereiro de 2020, porém, deixou o legado de um homem íntegro e correto.

Sr. Luiz Carlos foi médico clínico geral, homeopata e alergista, professor de física e foi vereador por 3 mandatos, na cidade de Sete Lagoas, teve uma vida pública muito honrada.

Depois de mostrarmos um pouco da trajetória da Dra. Liliane, realizamos algumas perguntas com foco para que a população esteja ciente da importância deste trabalho.

JD – Qual a função da Procuradora e a importância do papel na Câmara Municipal?

Dra. Liliane Noacco – Um procurador-geral de Câmara Municipal tem por função assessorar a Mesa Diretora na condução das decisões administrativas e dos trabalhos legislativos da Casa, assessorar as Comissões Permanentes, especiais e temporárias na tramitação dos projetos de lei e processos, promover a representação judicial do Poder Legislativo respondendo as ações em que figura como parte a Presidência como autoridade representante da instituição.

JD – Dra. Liliane sabemos que a senhora teve uma saída conturbada da Câmara Municipal em 2021, haja vista que a sra. também é uma mulher que luta pelos direitos e preza pela verdade, em seu retorno, qual a visão que a sra. faz do legislativo com executivo de Esmeraldas?

Dra. Liliane Noacco – Não diria que a saída em si, no ano de 2021 foi conturbada, mas sim, que há dificuldade na atual formação da vereança e da atual gestão quanto a compreensão do dever de imparcialidade de um Procurador em se tratando de uma Câmara onde os parlamentares não dispõem de assessoria individualizada. Como exemplo posso citar a permanência neste cargo em 2011, quando fui chamada a auxiliar no processo de cassação do prefeito à época (que não se consolidou por orientação nossa de acatamento de nulidades).

Sem qualquer paixão política nem tampouco envolvimento com qualquer linha partidária, na ocasião pude auxiliar a todos com seus posicionamentos, fossem contrários, favoráveis ou abstinentes quanto àquele processo político-administrativo. Deu tão certo que ao final de 2011 renovaram a proposta para continuidade na Procuradoria e ao final de 2012, de um lado a oposição me propôs permanecer na Câmara e de outro o prefeito eleito para o mandato de 2013 fez questão que eu assumisse a Procuradoria-Geral do Município. O que ocorreu de janeiro a maio daquele ano.

Isso evidencia que o respeito angariado estava atrelado à total ausência de envolvimento com qualquer partido, pessoa, num tempo onde – por incrível que pareça – a mentalidade do parlamento no geral e da administração era menos atrasada e obtusa do que na atualidade. Pode-se deduzir facilmente que os motivos da saída em 2021 disseram respeito ao fato de trabalhar para todos quando sobreveio o processo de cassação. Isso foi muito mal visto, não entendido.

Havia um sentimento de que a forma de agir devia ser sempre benéfica ao Executivo. A determinação da chefia por vezes era expressa no sentido de que a Câmara estava para “ajudar” o Executivo em tudo que fosse necessário. Confesso que corri contra o tempo para emitir pareceres em projetos de leis cujas urgências (algumas fabricadas, outras por adinamia e falta de traquejo da gestão) obrigaram a dispensar trâmites regulares, pensando sempre no município, na coletividade afetada.

Mas justamente a convicção de que meu dever é atender e defender a Instituição e a Fazenda que me remunera – sempre fui pró município – e não interesses pessoais, políticos ou quaisquer outros reprováveis que se utilizam da máquina pública para favorecimentos deveras questionáveis é que me retirou pela segunda vez de Esmeraldas, à semelhança do ocorrido em 2013.     

JD – O que a população pode esperar hoje da procuradoria da câmara no que tange a legalidade e atuação dos vereadores?

Dra. Liliane Noacco – O que a população pode perceber é que o perfil legalista de uma Procuradora nem sempre agrada aos intentos dos eleitos. A política é permeada por muitos interesses e poderes que postos nas mãos de homens fracos de caráter colocam a perder o propósito do bem-estar coletivo para se satisfazerem na ilusão materialista oportunista e sedutora, na volúpia pelo lucro fácil. Isso em todo lugar. Esmeraldas, Brasil, mundo.

Mas em Esmeraldas o atraso citadino decorre muito da corrupção institucionalizada. No passado nesta cidade, ouvi, com muita perplexidade que o problema era essa tal de ética. Do querer tudo certo. E quem me fez perceber a inversão de valores enorme que prevalecia no município (onde a honestidade que no passado era dever, depois passou a ser vista como atributo e aqui, defeito) na sequência foi preso, ficou inelegível, teve contas rejeitadas, por falta de acatamento das orientações mínimas no trato com a coisa pública.

A coisa pública é confundida como coisa de ninguém, Esmeraldas infelizmente tratada como terra sem lei, onde tudo pode. Razão de tanta precariedade em equipamentos públicos, insuficiência de serviços e empobrecimento da população. Serviços muito mal prestados que não foram  questionados em contratos que não se desfizeram porque estavam vantajosos demais para alguém que não era a população. Vi isso muito de perto quando estive anos atrás na prefeitura e tentei influenciar a revisão de alguns processos. Motivo de me afastarem mais rápido.  

Por não tolerar o desvio, a vantagem ilícita, a esperteza, o enriquecimento sem causa, a gatunagem. Portanto, o que se pode esperar desta Procuradora é a mesma postura de outrora, a de quem não “joga a sujeira para debaixo do tapete”. Ao contrário, tenta detectar vícios e percebendo-os, age para saná-los. A conduta de quem defende o erário, o interesse institucional e o interesse público.

Quanto à atuação da  vereança: o papel do Procurador é orientar, mas não decidir. A deliberação, a discussão, o posicionamento é todo deles e o protagonismo quanto aos processos em que lidam também têm de ser. Tento manter a disponibilidade para trazer ideias, inspirar uma atuação condizente com a seriedade do mandato que lhes fora outorgado e penso que se o desejo deles foi de retorno de uma assessoria com o perfil mais contundente e rígido é porque têm bons propósitos e interesse de trabalhar corretamente.

JD – Sabemos que há um embate entre o legislativo e o executivo, em seu ponto de vista o que tem prejudicado a união destes poderes e até onde isso tem afetado a população?

Dra. Liliane Noacco – Não visualizo essa circunstância de embate de Poderes propriamente dito. Confesso que no passado travei batalha para tentar fazer entender a necessária separação quando percebia a dificuldade de um prefeito egresso da Casa entender que não devia praticar atos próprios da administração na Casa de Leis, como por exemplo, utilizar do aparato do plenário e recursos de áudio do Legislativo para reunião inaugural de secretariado. Não era apresentação aos vereadores.

Era ato interno da administração ocorrendo na Casa Legislativa sem solicitação formal, sem sequer um ofício e deferimento de uso do plenário que regimentalmente tem restrição e só excepcionalmente deve ser emprestado para convenções partidárias. Fatos como esses foram narrados oficialmente à curadoria do patrimônio público no município.  

Na atualidade o grupo de oposição está em situação de maioria mas não houve, nem em 2021 e nem neste ano, por parte dos vereadores uma conduta na apreciação de matérias que viesse a prejudicar os interesses da população. Ao contrário. Todos os projetos de lei de autoria do Executivo foram aprovados, o prefeito trabalha com uma margem de remanejamento e liberdade orçamentária nunca vista neste município, as matérias tramitam regularmente e tanto em ritmo quanto em análise meritória a postura da edilidade é muito favorável.

Nunca havia visto uma oposição tão concessiva como essa, o que por si só induz a crer que o Executivo AINDA não sentiu verdadeiramente o que é uma oposição brava, contundente e ferrenha. Já trabalhei na minha cidade natal com uma edilidade que fortemente segurava as ações do Executivo para máximo controle parlamentar. Aqui isso ainda não ocorreu, mas deve ser a tônica dos próximos tempos.

Porém, prejuízo à população e ao desenvolvimento da cidade jamais ressai dessa postura que é protetiva. Impede por exemplo que o município sob pretexto de resolver e fiscalizar situações fundiárias irregulares, abra a guarda para acolher o inaceitável, assumir os ônus de responsabilidades que não são suas. Essas análises é que precisam ser feitas quanto ao fato de não poder jamais um parlamento ser reduzido a mero órgão de chancela de atos do Executivo.

O que prejudica a população é o inchaço da máquina pública para atender ajustes partidários, a falta de comando eficiente, ausência de gestão competente, o apadrinhamento, o nepotismo desmesurado, o favorecimento pessoal, a ausência de critério e controle em assuntos que devem ser vistos em pormenores por cautela e por preservação do patrimônio público municipal.

JD  – Dra. nós percebemos que a Lei de Improbidade administrativa é rigorosa e parece que houve algumas alterações, temos visto que o município contratou algumas empresas que não estão preenchendo os requisitos necessários na prestação de serviços, isso não fere o decreto lei 201 de 1967, onde fala que o prefeito quando descumpre, ele responde por improbidade administrativa, e sendo a improbidade algo grave, de acordo com a súmula do STF 650 e 651, não seria um caso de impeachment?

O STF e STJ declaram que o funcionário que comete crime deve ser punido, no cenário do executivo que estamos vivendo hoje isso não se enquadraria?

(Decreto-Lei 201. Crimes e infrações político-administrativas. Enquadramento de Prefeitos e vereadores)

Dra. Liliane Noacco – Quando me perguntam sobre o DL 201/67 e o processo de cassação de prefeitos e vereadores, sempre reitero que os agentes políticos devem manter redobrada atenção quanto às condutas ali descritas. Os crimes funcionais de prefeitos estão elencados no art. 1º e são de ação penal pública.

O ministério público é o detentor da prerrogativa de propor a ação penal e neste caso, o prefeito tendo foro privilegiado é processado no TJMG pelo Procurador-Geral de Justiça. As infrações político-administrativas constantes do art. 4º descrevem as condutas passíveis de cassação do prefeito pela Câmara Municipal, que  funciona como órgão julgador e rapidamente, num processo que dura 90 dias, define seu “veredicto”.

E ainda, infrações constantes do art. 7º do mesmo Decreto descrevem as práticas que sujeitam o vereador ao processo de cassação pelo próprio Poder Legislativo.

De uma leitura superficial do inteiro teor desses dispositivos é perceptível a larga abrangência de condutas que deixam em risco um prefeito mal assessorado ou mal intencionado. É preciso uma atuação escorreita, um agir muito cuidadoso, impecável para não incorrer em tipicidade. Raramente um prefeito passa ileso à incidência dessa legislação. Quanto à edilidade, menor é o espectro de atuação e abrangência.

Mas há também a sujeição a processo de natureza político-administrativa com a mesma celeridade de rito e deslinde, 90 dias.

O Jornal Digital Esmeraldas agradece pela entrevista. E para acompanhar as plenárias é só acessar o facebook da Câmara Municipal e as notícias pelo site www.camaraesmeraldas.mg.gov.br