Ângela Mathylde Soares Neurocientista, psicanalista e psicopedagoga

A pandemia afetou a educação brasileira de diferentes formas, comprometendo o nível de aprendizagem em níveis preocupantes. A expectativa era que a situação escolar voltasse ao normal com a retomada da rotina, porém, isso não ocorreu. A realidade estudantil nacional ainda é considerada crítica. O estudo Aprendizagem na Educação Básica, Situação Brasileira no Pós-Pandemia, realizado pela organização governamental Todos pela Educação, revelou que, desde 2019, o Brasil não registrou avanços educacionais e, sequer, retomou ao mesmo patamar. Lamentavelmente, as desigualdades, já presentes naquela época, ainda foram acentuadas. O relatório considerou as informações do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), envolvendo estudantes do segundo, quinto e nono ano do ensino fundamental e do terceiro ano do ensino médio, avaliando o desempenho em português e matemática.

Os resultados da prova, em 2023, apontaram que 55,1% dos alunos do quinto ano possuíam conhecimento adequado da língua portuguesa e 43,5% em matemática, sendo que, em 2019, os respectivos índices eram 56,6% e 46,7%. Foi notório que a pandemia acarretou impactos negativos no processo de aprendizagem. Um levantamento de 2021, feito pela ONG Todos Pela Educação, mostrou que 40,8% das crianças brasileiras, entre 6 e 7 anos, ainda não sabiam ler e escrever, representando uma elevação de 65,6%, em comparação a 2019. Já outra pesquisa, realizada pelo Fundo Internacional de Emergência das Nações Unidas para a Infância (Unicef), considerando os dados do Saeb de 2021, reforçou esse desafiador cenário, enfrentado pelo país, ao identificar que mais da metade das crianças do segundo ano do ensino fundamental da rede pública não sabia nem ler e nem escrever.

A verdade é que a pandemia representou um grande período de inseguranças e adaptações, uma vez que afetou o cotidiano de milhares de pessoas no mundo. Em relação às escolas, muitas instituições tentaram adaptar as atividades em ambiente virtual, contudo, devido a diferentes realidades entre os estudantes, sobretudo, nas escolas públicas, ficou difícil impedir a queda de qualidade no ensino. A desigualdade também é uma situação triste que foi evidenciada pelo estudo. O problema nunca deixou de existir, contudo, se revelou ainda pior ao ser maior em 2023, que em 2013.

O desequilíbrio apontado envolve caráter racial e socioeconômico. Para se ter uma ideia, no intervalo de tempo de dez anos, a diferença percentual de estudantes do quinto ano, em nível de aprendizado adequado entre brancos e amarelos e pretos-pardos e indígenas, cresceu 7,9% em português e 8,6% em matemática para 8,2% e 9,5%, respectivamente. Em relação a fatores socioeconômicos, 61% dos participantes considerados mais ricos apresentaram conhecimento adequado em português no quinto ano, enquanto os mais pobres, o valor é equivalente a 45% do grupo. Já em relação à matemática, os resultados foram 52% contra 32%.

Há muitas décadas, o governo trabalha para melhorar a educação brasileira. O país convive com diferentes realidades e, o fato de possuir tamanho continental, dificulta ainda mais a implementação de programas adequados para cada uma das necessidades. O problema se tornou ainda maior com a pandemia, atrasando o processo de melhorias. Infelizmente, a regressão na educação brasileira é extremamente preocupante e segue longe de ser resolvida. Os dilemas são diversos e, não envolvem apenas a qualidade da educação e a capacidade de aprendizagem. As questões ainda incluem uma elevada taxa de abandono escolar, obrigando o governo a criar o programa “Pé de meia” para incentivar as famílias de baixa renda, e as mudanças para um novo ensino médio, discutidas há anos sem consenso.